O ANDES-SN publicou, nesta quarta-feira (31), uma nota de repúdio às declarações feitas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), no início da semana. O chefe de Estado ironizou o desaparecimento do militante Fernando Santa Cruz, pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, durante a ditadura militar. A provocação veio após o presidente reclamar sobre a atuação da OAB na investigação do caso de Adélio Bispo, autor da facada do qual Bolsonaro foi alvo no ano passado.
Ana Maria Estevão, 3ª vice-presidente do ANDES-SN e membro da Comissão da Verdade do Sindicato Nacional, classificou a postura do atual presidente como “perversa e sem um pingo de empatia” e clamou por justiça. “Se ele sabe ou mais alguém sabe o paradeiro de Fernando, é preciso abrir os arquivos para que o povo brasileiro e os familiares também saibam a verdade e consigam a justiça devida. Foi um crime de Estado e não contar a verdade, sabendo qual é, é crime sim, mesmo que [Bolsonaro] não tenha se envolvido diretamente”, disse.
Fernando Santa Cruz
O pai do presidente da OAB foi um dos desaparecidos da ditadura militar (1964-1985). Em 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro, ele foi preso com um amigo por agentes do DOI-CODI, órgão de repressão da ditadura militar. Fernando era estudante de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) e trabalhava para o Departamento de Águas e Energia Elétrica, em São Paulo, além de ser integrante do grupo Ação Popular Marxista-Leninista.
Felipe tinha dois anos quando o pai desapareceu. No livro “Memórias de uma guerra suja”, publicado em 2012, o ex-delegado Cláudio Guerra afirma que o corpo de Fernando foi incinerado no forno de uma usina de açúcar em Campos (RJ).
Um registro secreto da Aeronáutica datado de 1978 fala da prisão de Fernando Santa Cruz e um atestado de óbito aponta que ele foi morto “pelo Estado brasileiro”. Outro relatório, de 1993, elaborado pelo antigo Ministério da Marinha, também confirma a prisão de Santa Cruz.
“Luta Por Justiça e Resgate da Memória”
Em 2016, o ANDES-SN publicou o Caderno 27 “Luta Por Justiça e Resgate da Memória”. Nele, estão contidos debates e relatos colhidos durante seminários realizados em diversos estados do país para esclarecer a sociedade sobre a verdade histórica desse período. Um destes relatos é de Maria Auxiliadora Santa Cruz Coelho, irmã de Fernando Santa Cruz.
“Fernando foi preso pela primeira vez em 1966 durante a passeata em Recife contra o programa MEC/Usaid. Nosso pai era médico sanitarista. O juiz telefonou informando que Fernando havia sido preso, porque ele teria dito que era menor de idade e por isso ele foi parar do juizado de menores. Meu pai ligou para o advogado, que o aconselhou sobre como deveria agir para tirar Fernando do juizado. Fernando contribuía financeiramente e dava a chave do apartamento para os membros da AP. Após seu desaparecimento, iniciamos por sua procura em quartéis, OAB, ABI, etc. Além de Fernando, tive também uma irmã presa no Rio de Janeiro. Meu irmão foi casado e teve um filho, meu sobrinho, que hoje é presidente da OAB no RJ. Meu sobrinho relatou que viveu momentos de tensão, pois qualquer guarda que via na rua imaginava ser o homem que matou seu pai. Em 1982, no rastro das cartas-bomba que matavam ativistas, participei de uma passeata, levando a foto de meu irmão. No dia seguinte, fui chamada ao gabinete da reitoria da Universidade Santa Úrsula, em que trabalhava, para me perguntarem por que eu não tinha dito que era irmã de Fernando. No final do ano, fui demitida. Continuei participando ativamente da luta pela Anistia e, até hoje, continuo militando, indo para as passeatas”
Confira aqui o caderno 27 com o depoimento, na íntegra, de Maria Santa Cruz