Rosildo Brito. Professor do curso de Comunicação Social/UFCG
As reações de ataques ferrenhos com discursos de ódio e argumentos frágeis contrários à greve dos docentes das universidades públicas federais e que se vê, sobretudo, proliferarem-se no mundo distópico das redes sociais, revela-se um claro sintoma dos tempos de obscuridade que vivenciamos no início deste assombroso e conturbado século XXI. Um panorama que tem como pano de fundo, a obscuridade da política a que se refere Hannah Arendt em muitos de seus trabalhos, ao nos falar sobre a crise da sociedade moderna ao destacar como algumas de suas principais características, o fenômeno totalitário, a ausência de pensamento que acarreta a despreocupação negligente e a repetição complacente de verdades que se tornaram vazias e triviais. E, assim parece termos chegado ao ápice dessa crise ao ponto de, como o fez o poeta alemão Bertold Brecht, perguntarmo-nos “Que tempos são esses em que temos de defender o óbvio?”.
Mas se essa parece ser mesmo a regra dos tempos sombrios e metáfora a que, inclusive Arendt recorreu para falar sobre o caótico mundo do século XX e que, como é fácil de se perceber, se aplica ainda melhor ao início do século atual, vamos aqui a um breve be-a-bá sobre o sentido e relevância política da greve, instrumento demonizado por muitos nesse contexto histórico paradoxal em que estamos inseridos. E, nesse sentido, refletirmos um pouco sobre por qual motivo afinal de contas, estudantes e docentes das universidades públicas que teórica e objetivamente são quem mais se beneficiam com as conquistas históricas alcançadas com o movimento grevista, costumam se rebelar fervorosamente contra esse recurso lançado como estandarte de luta em defesa da educação pública..
Analisando e tentando compreender os principais argumentos contrários apresentados, seja em assembleias, seja nas redes e grupos de mídia social, a ágora contemporânea distópica, nos deparamos com as mais intrigantes e estaparfúdias justificativas, quase sempre em tom de ataques que só reforçam o panorama de perplexidade vigente. Dentre esses, o de que a greve traz prejuízos para a vida dos estudantes, algo levantado por parte dos discentes e curiosamente reforçado por docentes que, estranhamente, doutrinam muitos de seus estudantes a se rebelar contra a greve. Há também a alegação de que o momento de deflagração da greve é inoportuno, de que a “escolha” foi um erro de estratégia, ou pior ainda: a ideia de que o recurso grevista é algo superado. Para ficar apenas nesses, sem adentrar nos ataques mais desrespeitosos voltados àqueles que estão na linha de frente da luta do movimento grevista, sustentadas pelas seções sindicais que, de quebra, são ainda mais demonizados e curiosamente, comparados com aqueles que saem de férias durante a greve.
Pois bem, de qual prejuízo se referem os atrozes inimigos da greve, se não à suspensão das atividades pedagógicas por tempo indeterminado e a consequente alteração do calendário letivo, fruto, vale dizer, não da vontade dos grevistas, mas da intransigência do governo mediante as reivindicações pra lá de justas apresentadas. Ao se falar de prejuízos, estranhamente ignora-se por completo o grave processo de sucateamento que atinge as universidades federais há anos e os reais e preocupantes problemas de infra-estrutura que caracterizam a rotina acadêmica, como vemos, por exemplo, na UFCG, tais como falta de salas de aulas suficientes, ou precárias, o dotamento orçamentário insuficiente para os diversos programas, bolsas e manutenção de serviços básicos essenciais, além, da desvalorização dos profissionais que fazem a educação superior, cujas remunerações estão cada vez mais defasadas.
Afinal de contas, colocadas na balança, qual dos tais prejuízos prejudicam mais a vida estudantil? Outra reflexão que nos cabe fazer: esses tais argumentos são, de fato, o que sustenta a resistência dos aversos à greve, ou seria, na verdade, o individualismo regente no mundo caótico que ai está e que faz com que os interesses individualistas em detrimento dos interesses coletivos, prepondere em momentos de luta, como o apresentado pelo movimento grevista?
Reportando-se ao segundo argumento mais comum apresentado pelos que se opõem fervorosamente à greve, qual seria então, o momento efetivamente oportuno ou mesmo o outro instrumento mais eficiente a ser usado no contexto das lutas trabalhistas e em defesa da educação pública, gratuita, laica e de qualidade, para avançarmos nas conquistas importantes e urgentes em nome da manutenção do ensino superior?. Esses são alguns dos questionamentos que esperam por respostas concretas a cada deflagração de uma nova greve e que, ao que tudo indica, irá perdurar por muito mais tempo ainda, sem respostas.
E que fique claro, que o problema não está na diversidade de opiniões de estudantes e docentes referentes à greve, uma vez que a pluralidade de pensamentos e análises é algo natural e que deve ser estimulado no universo acadêmico, mas sim, o posicionamento que muitos assumem diante da greve, demonizando aquele que, no final das contas, continua sendo o recurso mais efetivo de avanço concreto das conquistas historicamente registradas ao longo do tempo em benefício das classes trabalhadoras e das instituições públicas de ensino. Essas mesmas que estão, pouco a pouco, e de uma forma politicamente estratégica, sendo alvo de um processo de desmonte em curso, rumo ao fortalecimento da meta de privatização do ensino público em curso no Brasil, algo que estamos testemunhando de forma cada vez mais explícita.
Retomando o pensamento de Arendt frente aos tempos sombrios do presente, que não ignoremos o fato de que esses tais tempos se caracterizam, dentre outros, por processos de rupturas políticas, econômicas, culturais e sociais, alterando os padrões que os indivíduos dispunham para se mover no mundo e ajuizar sobre ele. Frequentemente Arendt os descreve como aqueles momentos limítrofes “em que as cartas estão sobre a mesa”. Só nos resta enxergar!