Artigo – Um diagnóstico sobre a greve que chega ao fim

30 de junho de 2024

A greve dos docentes das universidades públicas federais chega ao fim depois de uma trajetória de luta de mais de 70 dias e com um saldo que, a exemplo do que se viu em tantas outras, divide a categoria e provoca manifestações no mínimo curiosas no seio da comunidade acadêmica.
Não é novidade que num país cultural e politicamente paradoxal como o Brasil o movimento grevista seja estigmatizado, algo que diante do cenário político e ideológico atual ganha contornos ainda mais drásticos pela força do conservadorismo e obscurantismo que parece varrer esse país e parte do planeta com uma hecatombe.
Essa realidade ficou bastante notória por meio de várias das posturas e narrativas que se sucederam em diversos momentos e espaços distintos, em meio à duração do movimento grevista, a exemplo das próprias assembleias gerais e nos variados grupos de mídias sociais, que, aliás, vêm se estabelecendo como a nova e estranha ágora do assustador mundo moderno em que vivemos. Esse fenômeno, vale ressaltar, vem instigando a realização de muitos e importantes estudos em busca da compreensão das novas formas de relações sociais da contemporaneidade.
Em meio à tempestade de narrativas proferidas na hecatombe acadêmica houve, por exemplo, falas de docentes que ao atacarem duramente não só a greve em si, mas também o sindicato que, na esteira do estigma demeritório em situações dessa natureza passam a ser a principal vitrine de apedrejamento, referiam-se à greve como sinônimo de desmobilização, vadiagem e de evasão estudantil.
Do outro lado, fazendo coro com esse tipo de discurso controverso, por vezes instigado por esses agentes do serviço público, o que mais se viu por parte de discentes nas redes sociais foi o de que a greve era um desrespeito e ofensa à categoria que, a exemplo do que se repete na maioria das greves, curiosamente insistem em fazer vista grossa para a realidade precária enfrentada no dia a dia da vida estudantil dentro das IFES e se colocam como os grandes penalizados e sofredores do movimento reivindicatório.
Ainda sobre esses últimos agentes representantes da conturbada e complexa comunidade acadêmica atual, o que não faltou foi um festival de manifestações lamentáveis, que das opiniões contrárias ao movimento de greve, descambaram para uma série de ofensas, ataques e até crimes de intolerância, numa clara demonstração da total falta de respeito com aqueles que estavam à frente do Comando Local de Greve na UFCG. Algo, aliás, que a entidade já está tomando as devidas medidas cabíveis. A postura que se viu, evidencia não apenas a falta de educação que antecede à escolarização, como também a imaturidade intelectual e empobrecimento político de parte dos futuros profissionais que a universidade estará lançando no mercado de trabalho e no mundo social já tão decadente que aí está.
É importante destacar que, diferentemente do que se viu na grande maioria das universidades que aderiram à greve com mais de 70 dias, o movimento de paralisação na UFCG só durou 15 dias e só foi deflagrada após o término do período letivo 2023.2, amenizando ao máximo os impactos problemáticos para a comunidade estudantil.
Enfim, esta foi uma breve leitura dentre as tantas outras passíveis de serem lançadas no momento praticamente pós-greve e que nos provoca a refletir não apenas sobre os resultados dessa greve, indiscutivelmente, uma das mais fortes da história, mobilizando mais de 60 IFES de todo o Brasil, o que renderia outro artigo de opinião, mas uma reflexão acerca do perfil da comunidade acadêmica que configura a UFCG e sobre os rumos que nos aguardam mais à frente, num futuro em que a educação pública certamente continuará sendo cada vez mais comprometida pelo descaso dos governos que se sucedem, e em meio à política neoliberal em amplo andamento no Brasil, tornando a educação um valioso nicho de mercado.
Resguardando o devido respeito e tolerância dentro do limite aceitável à diversidade de opinião e de pensamento, que é algo, como sabemos, salutar na condução de uma sociedade democrática, finalizo com algumas indagações que considero pertinentes e até urgentes. Primeiramente seria importante refletirmos sobre que tipo de universidade nós, docentes e discentes, desejamos e estamos dispostos a construir ? Ainda na esteira de provocação reflexiva, pensarmos sobre o que, de fato, está por trás do estigma demonizador que se vê da parte daqueles, a serviço de quem a luta sindical sempre se colocou, acarretando ao longo da história, de forma inegável, benefícios concretos a favor da educação pública?
E por fim, também seria salutar fazemos uma reflexão acerca da comparação entre os supostos prejuízos causados pela greve a que se referem discentes e alguns docentes, com os danos concretos, muitos deles vistos a olhos nus, que é a situação de precariedade em que se encontram as IFES, os quais vão da falta de infra-estrutura dos espaços pedagógicos ao significativo quadro de redução de investimentos neste que é o tripé da educação superior federal: ensino, pesquisa e extensão. Penso que essas são indagações valiosas para toda a comunidade acadêmica com vistas ao rumo da educação superior federal. Parafraseando aqui uma máxima socrática, se “ A vida sem reflexão, não vale a pena ser vivida”, o que dizer da experiência acadêmica?!.

Rosildo Brito. Professor do curso de Comunicação Social/UFCG

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