Chico Mendes era Francisco Alves Mendes Filho, então presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, no Acre. A morte anunciada. Foi assassinado no dia 22 de dezembro de 1988, quando tinha 44 anos com tiros de escopeta no peito na porta dos fundos de sua casa, quando saía para tomar banho. Morre diante da esposa e dos dois filhos. O assassino é Darcy Alves da Silva, a mando de seu pai, o fazendeiro Darly Alves da Silva.
Darly e Darcy foram condenados em 1990 a apenas 19 anos de detenção. Pai e filho chegaram a fugir da prisão em 1993, foram resgatados, e em 1999, Darly saiu do presídio para cumprir o restante da pena em prisão domiciliar, alegando problemas de saúde. No mesmo ano, o filho ganhou o direito de cumprir o restante da pena em regime semi-aberto.
Dias antes de sua morte, chegou a declarar: “Se um enviado dos céus garantisse que minha morte fortaleceria nossa luta, valeria a pena. Mas a experiência me ensina o contrário. Quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia”.
A luta de Chico Mendes, outros seringueiros e povos indígenas em defesa da floresta e de seus povos resultou em enfrentamentos com empresários e fazendeiros locais. Foram anos de luta, transformando Chico Mendes em expressão internacional em defesa do meio ambiente. Um dos principais responsáveis na conquista da primeira reserva extrativista do Brasil, com 40 mil hectares de exploração conservacionista, em São Luiz do Remanso, próxima de Rio Branco, capital do Acre. Defendiam que as reservas extrativistas não fossem usadas de forma predatória. Outras reservas foram criadas, as chamadas Resex.
Atualmente, fruto dessas lutas, há áreas protegidas na floresta que podem ser utilizadas pelos povos originários, como seringueiros e indígenas, para extrair seu sustento de forma não agressiva.
O seringueiro e catador de castanha, Osmarino Amâncio, ex-presidente do Sindicato de Brasileia, no Acre, foi muito próximo a Chico Mendes. Está nessa luta desde 1970 quando sua família foi expulsa do seringal onde trabalhava.
Durante uma atividade em São Paulo, Osmarino contou um pouco da luta dos povos da floresta. “Nosso movimento na Amazônia começou em 1976. Na época, o IBGE divulgou um censo falando que a Amazônia era um vazio demográfico e que precisava ser ocupada para o progresso e desenvolvimento (…). Mas ali já estava cheio de gente. Tinha muito índio, nós somos descendentes deles. Mas eles chegaram. Rasgaram estradas e desocuparam nossas terras para a criação de gado. Trouxeram chacinas, envenenamentos, incêndios, extermínios e massacres às populações de pescadores, seringueiros e indígenas”.
Entre um dos que tombaram nessa luta, Osmarino resgata Wilson Pinheiro, assassinado em 1980. “O Wilson dizia que se desmatassem a floresta, cairíamos junto das árvores. Então, fomos para o embate. Lutávamos pela reforma agrária”, contou.
Sobre Chico Mendes, Osmarino disse: “Ele era um cara muito democrático. Tinham coisas que eu nem deixava ele assumir. Coisas mais polêmicas, eu sempre pulava na frente dele. Não queria que ele fosse atingido, porque ele era nosso diplomata. O que era para acontecer de podre, eu sempre estava na frente. Em uma guerra, precisávamos de ações. Como 30 seringueiros enfrentariam 100 pistoleiros? Tem que ter ação estratégica de luta”, disse.
Segundo Osmarino, muitos que se aliaram a essa luta, hoje se revelam a serviço dos interesses do capital internacional, sem isentar a ex-seringueira Marina Silva e também organizações internacionais. “A própria WWF, que apoiou o movimento na época, hoje dá curso de como derrubar madeira. Apoia projetos que comercializam o ar como a política do mercado de carbono, é a biopirataria”, frisou.
O extrativista defende uma rebelião em defesa da floresta e dos povos originários.”Hoje, da forma como estamos vivendo, não temos saída para evitar o extermínio do potencial natural que é a Amazônia. Temos que fazer uma rebelião contra tudo que está acontecendo. Vocês imaginam o que os índios, seringueiros e quilombolas estão passando no Brasil?”, perguntou.
Um encontro, no último dia 16, no Acre, com a participação de organizações e entidades, aprovou uma declaração em defesa dos povos das florestas. A seringueira Dercy Teles, integrante da CSP-Conlutas foi uma das organizadoras e defende que é fundamental levar essa luta adiante. “Se não nos levantarmos, vamos perder tudo para a exploração capitalista”, disse.
Leia abaixo a declaração publicada após o encontro:
Chico Mendes no empate contra as falsas soluções do capitalismo verde
Declaração de Xapuri, 16 de dezembro de 2018:
“Daqui de Xapuri, afirmamos ao mundo que Chico Mendes não morreu: foi assassinado. Esse foi o preço que ele pagou por dedicar sua vida à causa da reforma agrária e da proteção da floresta, já que os dominantes nunca aceitaram que os povos da floresta tivessem direito à terra, ao pão e ao sonho. Acharam que assassinando-o, enterrariam sua luta. Mas, já era tarde. Chico havia se transformado numa força que ultrapassou sua existência física.
Desde seu assassinato, sua memória cresceu em importância. Conscientes disso e com medo de seu poder libertário, os de cima se lançaram na tarefa de se apropriar dela através de um contínuo e sistemático processo de distorção.
Isso foi o que os governos da Frente Popular do Acre (FPA) fizeram ao longo dos últimos 20 anos: servindo aos interesses do capital internacional, impuseram, usando e abusando da imagem de Chico Mendes, um conjunto de políticas cujo resultado foi o aumento da privatização e da destruição da floresta.
Indo da exploração florestal madeireira, de gás e petróleo no Vale do Juruá, e da mineração, passando pela pecuária extensiva de corte e abrindo as portas para os projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal – REDD e outras formas de Pagamentos para Serviços Ambientais – PSA, essas políticas representam, em tudo, a mais absoluta negação daquilo que o líder seringueiro defendeu, pois privatizam as florestas, violam os direitos dos povos da floresta e os tratam como criminosos.
Em todo esse processo desfiguram e, num certo sentido, assassinam Chico Mendes, uma e outras vezes mais, fazendo dele um defensor do mesmo capitalismo que o assassinou, ou seja, fazendo dele o contrário do que ele foi.
Lamentavelmente, o que vemos hoje no Acre é a tentativa de transformar em mercadoria terras e territórios que são sagrados para os povos originários e que, além disso, são a base de subsistência de todos os habitantes da floresta.
Por isso é que, nos últimos anos, vimos crescer em nosso meio a criminalização tanto de práticas ancestrais das comunidades locais, como de toda forma de resistência à apropriação capitalista da natureza.
Fiéis ao legado de lutas de Chico Mendes, denunciamos esses projetos assassinos e aqueles que os defendem. Com base em nossas dolorosas experiências, afirmamos ao mundo que propostas como “desenvolvimento sustentável” e “economia verde” não passam de farsa e tragédia.
São farsa porque não protegem a natureza como dizem. São uma tragédia porque fazem exatamente o contrário disso. E nós sabemos a razão: não há saída no capitalismo, seja em qualquer uma de suas formas, ou com qualquer uma de suas cores. Não pode cuidar da vida um sistema assassino.
Denunciamos essa farsa e exigimos a suspensão imediata de todos os projetos de exploração florestal madeireira e de todas as políticas de compensação ambiental e climáticas derivadas das falsas soluções do capitalismo verde, a demarcação de todas as terras dos povos indígenas, e uma reforma agrária com soberania popular.
Pela Amazônia, pela reforma agrária, pela demarcação das terras indígenas e contra o capitalismo verde e de todas as outras cores, seja conduzido por governos ditos de esquerda ou por governos assumidamente fascistas!
Chico Mendes vive. A luta segue.”
Assinam esta carta as seguintes entidades:
– Grupo de Pesquisa Trabalho, Território e Política na Amazônia (Tratepam);
– Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental (Nupesdao);
– Grupo de Pesquisa e Extensão em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável (Gpeeads);
– Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM);
– Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Boca do Acre e Amazonas (Opiajbam);
– Movimento dos Pequenos Agricultores de Rondônia (MPA);
– Via Campesina;
– Amigos da Terra – Brasil;
– Centro Acadêmico de Ciências Sociais da Ufac (CACS);
– Movimento Esquerda Socialista – PSOL;
– Coletivo Juntos – Acre;
– Federação do Povo Huni Kui do Acre (Fepahc);
– Fórum de Mudanças Climáticas;
– Equipe Itinerante;
– Centro Shuar Kupiamais (Equador);
– Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Fonte: CSP-Conlutas – 22/12/2018