Reforma administrativa pode acabar com serviços públicos essenciais

8 de setembro de 2020

Logo após enviar ao Congresso Nacional um Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) para 2021, que retira recursos de áreas essenciais como saúde, educação, assistência social, ciência e tecnologia, o governo de Jair Bolsonaro encaminhou aos parlamentares, nesta quinta-feira (3) uma proposta de Reforma Administrativa, que irá promover a desestruturação de serviços públicos, em especial aqueles relacionados aos direitos sociais garantidos constitucionalmente à população.
“É uma completa desestruturação dos serviços públicos com impactos nas carreiras, previdência, remuneração e existência de órgãos. Ainda estamos estudando a dimensão desse ataque”, afirma Antonio Gonçalves, presidente do ANDES-SN.
Baseado em falsas premissas e argumentos midiáticos, que não correspondem à realidade, o governo alardeia que, com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, irá acabar com privilégios, regalias, “enxugar a máquina” e torná-la mais eficiente. Porém, a PEC não abarca, por exemplo, as tão comentadas disparidades salariais no serviço público. Ao contrário, a proposta foca apenas os servidores do executivo da União, Estados e Municípios. Grande parte das carreiras do serviço público que serão atingidas são as que executam direitos sociais, cujos servidores, pouco remunerados, são fundamentais para o serviço existir.
“É a retomada de uma visão de que o direito social tem que ficar na mão da iniciativa privada e que cabe ao setor público só as suas carreiras típicas de Estado, ou seja, poder de polícia, fiscalização e a burocracia”, alerta Fausto Augusto Junior, diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
PEC 32/2020
Embora o governo argumente que a PEC só trará alteração para os futuros servidores, o texto da proposta traz, sim, medidas que afetam aqueles que estão na ativa. Além disso, a precarização dos serviços tem impacto direto nas condições de trabalho daqueles que já estão atuando.
A Reforma Administrativa propõe novos regimes de contratação de forma precarizada, de caráter temporário e contratos em regime de experiência, acabando com o Regime Jurídico Único. Além de criar diversas formas de contratos de trabalho dentro do serviço público, o que atingirá a qualidade do atendimento à população, a PEC abre espaço para a terceirização irrestrita em todas as áreas.
Possibilita, ainda, à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos Municípios fecharem contratos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira.
A reforma prevê também a criação de regimes de previdência e retirada, dos atuais servidores e de empregados públicos, dos benefícios que não estiverem previstos em lei até 31 de agosto de 2021 e que foram cancelados àqueles que venham a ingressar no serviço público. Permite ainda a extinção de outros benefícios, mediante alteração na legislação.
O mito da estabilidade
Outra falácia sobre a qual se apoia o governo, com grande suporte dos meios de comunicação de massa, é o mito de que os servidores estatutários não podem ser demitidos. Atualmente, os servidores só não podem ser exonerados sem justa causa, isso para garantir a estabilidade nos serviços prestados à população e evitar tanto perseguições políticas quanto os famosos “cabides de emprego”. Mas existem diversos mecanismos de avaliação aos quais são submetidos. Além disso, podem ser dispensados mediante processo administrativo, civil ou criminal.
Com a alteração prevista, somada ao fim da necessidade de concursos para contratação, abre-se ainda mais espaço para que cargos sejam ocupados por indicação e que trabalhadores qualificados sejam substituídos por apadrinhados, não necessariamente qualificados para as funções.
No bojo dos ataques
Algumas das medidas anteriores do governo, como a reforma da Previdência e a Trabalhista, terão influência nos efeitos da reforma Administrativa. O diretor do Dieese lembra, por exemplo, que a reforma da Previdência de 2019 antecipou a saída de muitos servidores, sem que houvessem concursos públicos para substituí-los. Agora, com a vigência da Lei Complementar 173, que proíbe a realização de concursos até 31 de dezembro de 2021, caso a reforma seja aprovada, será aos poucos estruturada uma nova configuração dos serviços públicos.
De acordo com Fausto Junior, ao diminuir a quantidade de servidores estatutários e ampliar o ingresso de novos servidores, através de uma Consolidação das Leis Trabalhistas, que está em desconstrução, o governo amplia as formas precárias de contratação dentro dos órgãos públicos, como hospitais, escolas, universidades, agências de atendimento do INSS, serviços de assistência social e tantos outros.
“Para os novos servidores CLT, não estabilidade e um salário de muito baixo. E a gente sabe que uma das grandes dificuldades em se conseguir bons profissionais no serviço público é a baixa remuneração de muitas carreiras, em especial nos estados e municípios. Há o mito de que o servidor público ganha muito e trabalha pouco, e o que temos visto, principalmente agora durante a pandemia, é o quanto o servidor público, em especial da saúde, educação e assistência social, trabalham muito e ganham pouco. O que temos de fato é um desprestígio das carreiras vinculadas aos direitos sociais”, aponta o diretor do Dieese.
Todo poder ao presidente
Mais uma grande alteração contida na Reforma Administrativa proposta por Bolsonaro é o poder, delegado ao presidente, para extinguir cargos públicos efetivos vagos; e cargos de Ministro de Estado, cargos em comissão, cargos de liderança e assessoramento, funções de confiança e gratificações de caráter não permanente, ocupados ou vagos.
Se aprovada como está, a PEC permitirá ao Chefe do Executivo Federal criar, fundir, transformar ou extinguir cargos de Ministérios e de órgãos diretamente subordinados ao Presidente da República e entidades da administração pública autárquica e fundacional.
O presidente poderá, também, transformar cargos públicos efetivos vagos, cargos de Ministro de Estado, cargos em comissão e cargos de liderança e assessoramento, funções de confiança e gratificações de caráter não permanente, vagos ou ocupados, e alterar e reorganizar suas atribuições.
Além do poder ao presidente, a PEC dá permissão, aos governos dos estados e municípios, para regulamentar todo o desmonte previsto na proposta, caso não haja legislação prevista.
“A vida média da população tende a piorar muito quando o serviço público fica em dificuldade. Ou seja, você acaba sendo empurrado para uma mercantilização dos direitos. A gente vai, cada vez mais, ter que comprar serviços de saúde e educação, por exemplo. E, no começo pode parecer muito bom, mas depois o preço fica muito alto e as camadas mais pobres da população perecem. Estamos vendo agora o que está ocorrendo com o desmonte das farmácias populares”, alerta Fausto Junior, em uma análise produzida em áudio pelo Dieese.
Diante desse cenário, ele acrescenta que a discussão sobre a reforma administrativa e os serviços públicos não é só dos servidores, mas deve ser feita amplamente pode toda a sociedade brasileira, pensando, em especial, na prestação de seus direitos.

LEIA TAMBÉM: Conteúdo da Circular nº 302/2020 do ANDES-SN, com material elaborado pela Assessoria Parlamentar do ANDES-SN acerca da Reforma Administrativa


Anexo 1 – Análise Comparativa da PEC 32/2020 e Constituição em vigor;


Anexo 2 – Nota Legislativa – A Reforma Administrativa do governo Bolsonaro para os empregados públicos;


Anexo 3 – Proposta de Emenda à Constituição Nº 32, de 2020 – Comentários Preliminares.
Fonte: Atualizado em 04 de Setembro de 2020 às 20h43

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